Warning: mysqli_fetch_assoc() expects parameter 1 to be mysqli_result, boolean given in /home/ograndenews/www/app/materia.php on line 38
O peso invisível do "defeito de cor"
Internet
O diploma, brilhante e encadernado. O currículo, repleto de conquistas, cursos e experiências. Para muitos, são vistos como passaporte seguro para o reconhecimento, o respeito e a ascensão social. São a materialização do esforço, do talento e da superação. Mas e quando a cor da sua pele te precede, te define e, muitas vezes, te condena antes mesmo que as palavras no papel possam ser lidas? Quando, apesar de todo o conhecimento adquirido e da riqueza acumulada, você carrega, como uma marca indelével, o "defeito de cor"?
Esta é a dura realidade enfrentada por milhões de pessoas negras em um país como o Brasil, cujas fundações foram erguidas sobre o açoite da escravidão. A abolição, foi um ato jurídico, não um exorcismo social. Não apagou séculos de desumanização, de violência sistêmica, da construção ideológica que inferiorizava o negro para justificar sua exploração. Essa herança envenenada permeia as estruturas até hoje, cristalizando-se no que chamamos de racismo estrutural e institucional.
Superar a pobreza é uma batalha hercúlea. Romper o ciclo do analfabetismo ou da baixa escolarização é um feito monumental. E essas conquistas são reais, dignas de todo respeito. Mas, no contexto racista, elas frequentemente se tornam pré-requisitos apenas para ter o direito de ser considerado, não garantias de equidade. O currículo impecável e o diploma de prestígio são, para o profissional negro, como amuletos frágeis diante da força bruta do preconceito.
O julgamento prévio: Antes de "currículo" ou "diploma", vem a percepção. A cor da pele ainda aciona, inconsciente ou conscientemente, estereótipos arraigados sobre capacidade, confiabilidade, competência e até "periculosidade". O corpo negro é lido primeiro, muitas vezes com desconfiança ou diminuição.
A sobrecarga da prova: O profissional negro, especialmente em espaços majoritariamente brancos, frequentemente precisa provar duplamente sua competência. Cada erro é potencialmente amplificado, cada sucesso pode ser atribuído a "cotas" ou "esforço excessivo", nunca apenas ao mérito naturalizado que é concedido a outros.
A violência simbólica e Física: O racismo não se limita ao mercado de trabalho. Ele se manifesta no olhar atravessado no elevador, na abordagem policial agressiva e desproporcional (como a que sofri recentemente na PRF de Santa Maria do Pará), na negação do acesso a espaços, na negação da própria dor e experiência ("mi mi mi"). A violência física, inclusive letal, é o extremo trágico dessa desumanização persistente. O diploma não é um escudo contra o racismo na rua.
O "defeito de cor", portanto, não é uma falha do indivíduo. É uma falha brutalmente imposta pela sociedade. É a herança maldita de um sistema que, mesmo após abolir formalmente a escravidão, nunca promoveu uma verdadeira inclusão, reparação ou equidade. É a marca de uma diferença transformada em hierarquia, onde o mérito objetivo é constantemente filtrado pela lente distorcida do preconceito.
O currículo e o diploma de uma pessoa negra importam, sim. São fruto de esforço e talento em um percurso obstruído. Mas eles nunca apagarão a cor da pele. E enquanto essa cor for vista como um "defeito" e não como parte legítima e bela da diversidade humana, enquanto o racismo estrutural imperar, a plena valorização desse mérito continuará sendo uma conquista incompleta, uma batalha diária travada contra um peso histórico que nenhum diploma, sozinho, consegue remover. A verdadeira mudança começa quando entendemos que o defeito não está na cor, mas na lente distorcida que a sociedade insiste em usar. O desafio não é o negro superar seu "defeito", mas a sociedade superar sua cegueira.




COMENTÁRIOS